A palestra que me fez chorar
Artigo publicado em outubro de 2021 na revista ES Brasil.
Chegou ao fim o trabalho remoto na empresa. Você não sabe, mas estou escrevendo esse texto no meio de uma palestra para comemorar a volta de toda equipe para a nossa gigante sede administrativa. Saca a temática: “A internet e os impactos interpessoais no setor aeroportuário”. Eu sei, eu sei, deixar de acompanhar o evento para redigir essa crônica não é lá um belo exemplo. Estou ciente. O problema é que está chato demais aqui. A questão é simples: ou durmo ou escrevo. Portanto…
Ao escrever disfarço meu desânimo em estar aqui. Eu bem que poderia estar trabalhando em casa com aquele pijaminha flanelado, meia soquete e saboreando um café fresquinho feito por mim. No entanto, estou nesse auditório desconfortável, tendo de balançar a cabeça afirmativamente a cada 73 segundos para fingir que presto atenção.
Ao meu lado esquerdo está Carine ou Karina (nunca sei o nome certo), também entediada, que acaba de me informar com 3 dedos que esse encontro ainda vai durar pelo menos mais uns 30 minutos. Sério: deu uma vontade de chorar igual a criança pequena. Aliás, sempre sonhei com o dia que, no meio de uma reunião chata, gritaria bem alto: “CHEGAAA! NÃO DÁ MAIS! Chefe, pode cortar meu ponto, mas vou pra casa.” Quem sabe se esse memorável dia chegou?!
Só para sentir o meu drama, vou transcrever o que está sendo falado agora: “A internet, a globalização, o mundo não é o mesmo. A distância entre as pessoas não é a mesma.” Nossa, que novidade, inédito, hein.
Xi, peraí. Acho que começou uma discussão. Não entendi o motivo, contudo pelo tom de voz dá pra perceber que Claudinho, da logística, não concorda com o que foi falado. Também não entendi o argumento da palestrante, mas, desde já, estou contra ela.
Preciso sair daqui. Urgentemente. E se eu fingir que quero ir ao banheiro? Melhor não. Estou bem no meio de uma fileira com 20 cadeiras. Teria de pedir licença para um batalhão. Do jeito que sou desastrado, vou chutar o pé de uma galera, isso se eu não tropeçar. E pra piorar, quem me convidou para esse “maravilhoso” evento está sentado do lado da porta. Vai perceber o famoso “migué” da bexiga solta.
Caraca, agora que percebi o naipe dos slides. Fundo amarelo e letra branca. O que passou na cabeça do palestrante quando escolheu essas letras e cores? Quanto mau gosto. Isso é fonte Comic Sans? Texto em cima da foto. Nem meu oftalmologista com aquela máquina super moderna de verificar miopia decifra o que está escrito. Com um Paintbrush minha afilhada de 10 anos faz melhor.
“Hodiernamente, o quadro atual de intercambialidade sugere que o sujeito se torne um ator.” O que essa mulher tá falando? Isso é sobre uma oficina de teatro? É sério: não dá mais, já passei do estágio do choro. Preciso sair daqui. Pelos meus cálculos, faltam 40 minutos.
Já sei! Certa vez, vi um filme que mostrava a cena de um professor em uma faculdade que, após um discurso inflamado e incrível, fez com que um indivíduo da plateia se levantasse e começasse a bater palmas. Em seguida, os demais o acompanharam na ovação. Será que encaro essa? Comentei baixinho com dois colegas aqui atrás, Emília e Felipe, sobre a minha intenção de também fazer isso. Perguntei se eles repetiriam o meu ato em seguida. Disseram que sim. Será que terei coragem?
Olho novamente para o relógio e presumo que ainda faltam 47 minutos para acabar. Como assim o relógio está andando para trás??? A voz da palestrante parece disco de vinil tocado de trás para frente em slow motion. Enfim, não dá mais. Respiro fundo. Penso na minha vida; em minha mente passa um flash dos meus momentos mais importantes, como o dia em que tirei nota 10 no karaokê cantando Alma Gêmea, de Fábio Jr. Chegou a hora de me tornar memorável. É agora! A palestrante fez uma pausa. É a deixa. Aí vou eu:
– Clap, clap, clap.
De forma altiva me levantei e iniciei as palmas, apertando o beiço em sinal de aprovação. Sigo confiante.
– Clap, clap, clap.
Opa, acho que deu ruim aqui. Ao olhar para as laterais, percebo que ninguém me segue. Silêncio no auditório. Falsários!!! Picaretas!!! Todos olham para mim nesse momento. E agora? Eis que a instrutora que não sei o nome pergunta:
– Está tudo bem aí, senhor?
– Desculpa, é porque tem um mosquito me atrapalhando a assistir sua brilhante exposição.
Sento-me resignadamente. Pensando bem, 53 minutos passam voando, não é?