A face oculta das cores
Essa crônica foi publicada dia 11/08/2021 na ES Brasil
O meu fracasso cromático começou pela manhã. Minha casa estava em reforma e eu desejava pintar todas as paredes de branco. Imaginava que assim poderia criar histórias e imagens ao contemplar suas faces alvas. Quando estava indo para a loja de material de construção, fui alertado pelo responsável pela obra lá em casa:
- Chefia, branco gelo, tá.
Aham, nem dei ouvidos. Chegando à loja pedi 3 galões de 18 litros de tinta branca. Logo fui interpelado pelo vendedor:
- Mas qual branco? Neve, gelo, cristal, inspiração, sopro do pólen?
O QUÊ? Ué, branco é branco. Não é não? Respirei fundo para manter a mente equilibrada e lembrei de que fui avisado sobre algum tipo de branco Polo Norte; algo meio sorvete, frio.
- Pode ser esse gelo, neve, Sibéria… manda ver.
Precavido, o vendedor explicou:
- Senhor, há muita diferença entre o branco gelo e neve. A propósito, o branco Sibéria ainda não existe, mas se o senhor preferir podemos combinar alguns tons de branco e criar esse produto com exclusividade para sua residência.
- Amigo, qual o branco mais branco que você tem?
- Então, senhor, atualmente os fabricantes de tintas dispõem de um moderno equipamento que combina as cores de uma forma incrível, resultando em soluções bárbaras. O que o senhor sonhar em termos de cor nós podemos tornar real.
O papo começava a ficar meio irritante..
- Beleza, então pede para essa máquina me dar aí o branco branco. Se não tiver, tenta branco fantasma, branco farinha de rosca, branco bunda de neném, branco de susto.
Educadamente, o vendedor se esquivou:
- He he he, vejo que o senhor é muito espirituoso. E criativo também. No entanto, lamento informar que não dispomos desses tons. O senhor quer ver nosso mostruário?
- Me dá logo essa joça. – já injuriado com a situação.
Realmente, eram quase 1000 cores, muitas bem semelhantes, diga-se de passagem, e com nomes bem curiosos: azul sulfúrico, verde egípcio, lilás nupcial… Folheei o catálogo e encontrei as alternativas que me atenderiam.
- Pode ser uma desses 3.
- Mas senhor, há muita diferença entre esses 3 tons de branco. Olhe bem.
Impaciente, respondi:
- Pra mim, é tudo igual. Ao invés de me ajudar, você só cria dúvidas.
- Mas, senhor, pense no seu ambiente. Pense na satisfação de sua esposa ao ver sua casa com a cor dos sonhos, pense nos móveis, na combinação, no feng shui…
Senti que ele jogou baixo. Contrariar a mulher, nem pensar. Decidi encarar aquele problema com mais carinho. Pedi então um tempo para analisar os 3 tons de branco para decidir qual compraria.
Não sei se foi o efeito alucinógeno de ficar olhando fixamente para aqueles 3 quadradinhos brancos durante horas, mas comecei a perceber diferenças, sim. Estavam saindo bolinhas e cavalos marinhos de dentro das opções. Comecei a gostar da sensação.
Após muito tempo olhando cada centímetro branco, sentindo a textura do mostruário, visualizando como seria a minha casa com cada tom de branco ali exposto, enfim, tomei a decisão definitiva e, certamente, a mais adequada. Chamei novamente o vendedor:
- Decidi!
- Enfim, qual o tom de branco o senhor vai levar?
Senti que dentro da loja as atenções se voltaram para mim. Eu era o cara naquele momento, o CR7 da decoração. Enchi o pulmão, fiz pose de vitorioso e disse assertivamente ao vendedor e a quem mais quisesse ouvir:
- Por gentileza, me traga o branco que for mais barato.