Fazendo gols. Criando memórias.
Sabe aqueles filmes que “começam” pelo final ou no meio da história? Então, esse texto vai na mesma pegada.
Voltemos a abril de 2020; a pandemia do coronavírus nos assombrando e nos impondo um estilo de vida novo, com o necessário isolamento social. Em casa, meu filho estava para completar 5 anos e já se mostrava apaixonado por futebol. Não é preciso dissertar para se ter uma noção do que é ter em casa uma criança nessa idade impedida de ir à escola e de praticar seu esporte favorito. Um verdadeiro bicho selvagem enjaulado.
O desafio dos responsáveis em manter as crianças entretidas foi enorme. Em muitos momentos, me senti como o personagem Guido, interpretado por Roberto Benigni, no filme “A vida é bela”. Como tentar trazer luz em meio a uma crise mundial de saúde? No meu caso, uma das alternativas foi revisitar minha infância para tentar algo que pudesse fisgar o meu filho.
Eis que o futebol de botão (re)entrou em campo na nossa vida. Por falar em campo, além de não termos onde jogar também não havia guardado nenhum botão da minha época áurea. Aliás, será que essa brincadeira que fez parte da minha infância na década de 80 ainda teria vez nos nossos dias de práticas multitelas?
Aos poucos, fomos brincando. Sem pressa. Deixando fluir. Gradativamente, fui adquirindo times. No início, os bem simples. Baratinhos mesmo. Com menos de 20 reais tínhamos duas equipes, com goleiro e traves. Ah, e campo? A mesa da sala foi nosso Maracanã por muito tempo.
A brincadeira foi ganhando força. Já se passaram mais de 2 anos e meio do primeiro contato do meu filho com o futebol de botão. Admito que não foi uma paixão avassaladora por parte dele, nem sei se gosta tanto assim nos dias de hoje, mas tenho fortes suspeitas de que o que ele mais curte mesmo é a interação comigo.
Brincar de futebol de botão é fazer tabelinha com a criatividade. Por meio do brincar, nos conectamos integralmente, criamos códigos que só nós entendemos, entramos em um mundo de fantasia, inventamos nomes de jogadores, debochamos de quem erra um lance fácil e o mais valioso: escrevemos colaborativamente a nossa história. Sem distrações e sem mediação de qualquer tecnologia digital.
A criatividade está sempre escalada em nossos confrontos. Apesar de serem 11 jogadores (10 na linha e 1 goleiro), os atletas mudam de nome ao bel prazer daqueles que tentam movê-los. Recentemente, escalei no meu time do Barcelona, Romário, Messi, Neymar, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho. Quem é que vai duvidar de que isso não é possível? Na esfera da ludicidade botonista tudo é possível. Vai dizer que não é um sonho reunir tanto craque assim sob o seu comando?
Há muitas regras no futebol de botão. Tem de um, dez e até doze toques. Eu e meu filho decidimos, pelo bem da brincadeira, criar a nossa. Que é uma mistura de todas e um mix do nada. E que sempre muda. Na regra de 12 toques, por exemplo, quando um jogador não acerta a bolinha, passa-se a vez para o oponente. Na nossa, quando meu filho não alcança a bolinha com o seu jogador, eu finjo que não vi e falo para ele que tocou, sim, na bola. Que diferença faz isso se tocou ou não tocou? Vai que foi um drible de corpo no adversário…
Assim como todo domingo tem futebol, aqui em casa os clássicos são às sextas-feiras à noite. Nesse dia, nossa mesa simples de 1,20 x 0,90 m se transforma em um caldeirão. Em cada lado, há um esquadrão pronto para derrotar o outro. Assim como os compromissos profissionais nos ocupam, nossos duelos também são agendados e se tornaram momentos aguardados na semana. Em certas ocasiões, fazemos sorteios para definir os grupos e utilizamos cronômetros para simular um jogo real.
E quando há a presença da minha esposa na torcida aí o jogo parece acontecer na Bombonera, tradicional alçapão do Boca Juniors. Atmosfera tensa, com a mãe deliberadamente torcendo para o filho. Se o pai faz uma jogada de efeito, recebo uma repreensão (“o menino tá aprendendo. Pega leve”); se o filho manda uma bola para as redes vejo arquibancada pegando fogo, com a torcida única abraçando o craque goleador.
Teria muito mais para descrever por aqui, mas, em síntese: o futebol de botão que eu havia resgatado para ocupar o tempo do filho, acabou fisgando de forma arrebatadora o pai. E como sou feliz por isso.
Neste texto, mencionei um pouco do que o futebol de botão colaborou para que, na interação ativa com meu filho/adversário, pudesse reviver a minha infância. Ou será que essa infância sempre esteve à disposição e eu que não a percebia? O que posso assegurar é que o futebol de botão permitiu a mim e a meu filho que possamos seguir juntos criando nossas histórias. E quem balança a rede para valer são as memórias que são geradas a cada palhetada e que nos abrem possibilidades para vivermos momentos únicos que ficam marcados na mente e no coração. Pro gol! E para a vida!
Qdo comecei a leitura entrei na máquina do tempo , fui dos 46 anos aos meus 14 anos , minha casa vivia cheia de adversários ( os meu amigos , muitos convivo até hj ) e outro adquiri ao longo dos anos . A felicidade está nas coisas simples da vida , um campo uns amigos e dois times a felicidade está garantida .
Obrigado, Bruno, pela gentileza da resposta e por me ajudar nesse retorno à infância com o futebol de botão. Estamos juntos nessa. abraços.
Parabéns pela sua decisão, Victor, de fazer do jogo de botão um reencontro com sua infância e um momento único de interação com seu filho. Lembrei dos belos momentos que jogava botão no chão da sala com meu pai na minha infância. Com ele ao meu lado, o Futebol de Botão se tornou parte da minha vida. Momentos importantes ficaram na minha memória. Ainda jogo botão – não mais com meu pai, que está com 89 anos – porém com as técnicas e táticas que ele me ensinou. Futebol de Botão também educa e
disciplina a criança para, no futuro, ser um cidadão de bem.
obrigado, meu amigo pela resposta. Você tem me ajudado muito nesse percurso. Muitas dicas e orientações. Obrigado por toda força. abraços
Parabéns pela sua decisão de jogar futebol de botão com seu filho, Victor. Lendo seus escritos recordei minha infância, quando jogava botão no chão da sala com meu pai, o que fez com que essa brincadeira se tornasse parte da minha vida. Hoje não jogamos mais – ele está com 89 anos de idade- mas sei da importância do nosso relacionamento através do jogo de botão, que ajudou muito na minha disciplina e forma de encarar a vida. Continuo na prática dessa brincadeira/esporte, e digo Semprf aos meus amigos: Futebol de Botão/Mesa é a melhor terapia!
Muito bom Victor. Belo relato.
obrigado, primo!!!
Parabéns primo Victor ! A pandemia trouxe essa aproximação e lembrança por resto da vida de vocês dois. Dos momentos difíceis de isolamento “enjaulados “ a criatividade os salvou, uniu e o tirou das telas de hoje…sensacional!
obrigado, prima pelo carinho!