Desengavetando o poder da palavra na publicidade

Desengavetando o poder da palavra na publicidade

Digamos que você receba um convite em cima da hora para ir a uma festa com a temática “Otaku”. Você não tem familiaridade com o assunto, tampouco sabe o que vestir nesses eventos, mas decide pesquisar na internet e perguntar a amigos mais inteirados sobre cultura japonesa. Com base nessas informações, você começa a pensar em um look adequado, porém, como a festa vai acontecer em poucas horas, terá de compor o visual a partir das peças que possui no guarda-roupas. Após tanto remexer nos cabides encontra uma calça e uma jaqueta amarelas. Pronto. Em um arremesso de uma bola de fogo, você improvisou uma fantasia de Pikachu.

Essa situação é uma metáfora da relação do redator publicitário com a palavra. Embora as ideias também possam ter como ponto de partida as imagens, os sons, a tipografia e a plataforma em que será veiculada, é inegável que a principal matéria-prima do redator é a palavra. O autor Zeca Martins, no livro “Publicidade é isso aí”, define o publicitário como o artesão da palavra. Em consoância, João Anzanello Carrascosa, em “Redação Publicitária”, nos informa que é necessária uma exploração do universo sociocultural para resultar em textos verdadeiramente diferenciados.

Escavar bem o repertório cultural para buscar insights que, posteriormente, servirão de fio condutor na construção de um texto é condição inequívoca do trabalho do redator. Vale tudo nesse momento: pensar em letras de música, ditados populares, bordões, nomes de filme e até trocadilhos. O ofício do redator é transformar as informações do briefing em uma ideia criativa, marcante e que atenda ao seu objetivo de comunicação, seja ele comercial, social ou institucional.

Esse equilíbrio entre os aspectos mercadológicos e os criativos torna ainda mais desafiadora a função do redator. Isso significa dizer que na publicidade a criatividade sem um propósito e uma orientação estratégica vira penduricalho.

E aí retomamos a ela, a palavra, que, tal qual peças de roupa ou ingredientes de culinária, precisa interagir com outros elementos para ter sua proposta potencializada. Mencionarei um exemplo que marcou: no início dos anos 2000 vi um anúncio de jornal anunciando um aparelho celular da Motorola que trazia um título que, embora curtíssimo, era muito poderoso. O texto escrito continha apenas a palavra “Leve”. Simples assim. “Leve” operava de maneira polissêmica, cujos sentidos cooperavam para transmitir a ideia de não ser pesado para carregar, bem como aludia ao apelo de compra. Leve: direto e memorável.

Na publicidade, a palavra não pode ser vista apenas como termo que compõe uma frase. A sua escolha em uma mensagem, bem como as que precedem e as que a sucedem, deve ser avaliada tendo em vista a sua sonoridade e a produção de sentidos que carrega. Assim como uma peça de roupa ganha mais destaque a partir de sua combinação com outras.

Para ilustrar, cito “Bem estar bem”, o incrível slogan que já foi utilizado pela Natura. Em um exercício especulativo, imagino que os termos “bem-estar”e “estar bem” constavam no briefing desse job. No entanto, ao unir “Bem-estar” e “estar bem”, resultando no sonoro e homonímico “Bem estar bem”, trouxe beleza, sensibilidade e criatividade, que, por sua vez, se alinha ao posicionamento da empresa de se promover uma relação de cuidado com o ser humano e com a natureza. Fantástico!

Palavras são nossas parceiras no processo criativo, mas é preciso paciência e carinho para manejá-las. Sozinhas podem funcionar, mas ganham mais força quando combinadas, testadas e possuem objetivos definidos. Às vezes, a solução pode estar naquela palavra pouco usada, assim como uma peça de roupa perfeita para um evento especial pode estar escondida entre os cabides. Invista seu repertório em mais conteúdo e em técnicas para facilitar o seu processo criativo, para que as palavras vistam suas ideias de criatividade e que seu talento esteja sempre desengavetado.

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