Get back: a longa e sinuosa estrada criativa dos Beatles

Get back: a longa e sinuosa estrada criativa dos Beatles

Para começo de conversa: este texto não é sobre os integrantes dos Beatles. As linhas a seguir discutem o processo criativo dos Beatles, a partir do documentário Get Back, dirigido por Peter Jackson (o mesmo dos filmes O Senhor dos anéis), em exibição no serviço de streaming Disney Plus. Ah, pode ficar tranquilo que (quase) não contém spoiler.

Contextualizando: em 1969, os Beatles decidiram gravar um novo álbum que, ao seu término, geraria um especial de TV. A proposta consistia em filmar todo o processo de composição com o intuito de registrar em minúcias a criação dos Beatles. Até aí, tudo ótimo, a ideia parecia incrível. No entanto, algumas questões foram prejudicando o andamento do projeto, conforme havia sido idealizado. Uma delas é que o local em que ensaiavam era muito “frio” (em todos os sentidos, na temperatura e no calor humano). Dias depois, decidiram montar, do zero, um estúdio na Apple, uma espécie de empresa que gerenciava os negócios dos Beatles, para poderem ensaiar em um local mais acolhedor.

O outro problema era o mais grave: em 1967, ou seja, dois anos antes, faleceu Brian Epstein, o empresário da banda desde seu início. Essa perda fez com o que os rapazes de Liverpool carecessem de uma liderança. Esse fato deixou o grupo bem desorientado sobre os caminhos a seguir da banda. John Lennon e Paul McCartney eram os principais compositores e gozavam de muito prestígio, embora a relação entre os dois já se mostrasse em pleno desgaste. George Harrisson, após emplacar sucessos como compositor nos discos anteriores, como While My Guitar Gently Wheeps e Taxman, queria uma valorização na banda. E Ringo? Bom, Ringo é o cara mais legal do mundo. Ele apoiava todos os companheiros e se mostrava sempre muito empolgado quando um fragmento de canção surgia e precisava ser construído.

Voltando agora ao processo criativo, que é o tema central dessa discussão: apesar desses empecilhos, percebe-se nitidamente que, quando era necessário desenvolver uma canção, os músicos deixavam as diferenças de lado e se animavam bastante, ficavam empolgados e participativos. Cada um contribuía à sua maneira para tentar lapidar uma nova música, seja na questão da letra ou dos acordes. É lindo de se ver.

Quem é fã dos Beatles, como eu, certamente, se emocionou quando Paul McCartney apresentou a George e a Ringo um pedacinho de uma música (ainda sem letra). Os três, de um jeito irreverente, porém focados, como em um brainstorm bem fluído e colaborativo, foram ampliando as possibilidades da música até que ela ganhasse corpo. Quando John Lennon chegou a estúdio e ouviu a composição soltou um: “uau, isso é bom” e também passou a contribuir na ideia.

O brainstorm, segundo Duailibi & Simonsen, no livro Criatividade & Marketing, se caracteriza por ser uma reunião entre pessoas que se juntam para resolver um problema e/ou sugerir ideias. No caso em questão, a participação ativa dos integrantes dos Beatles deu origem, a Get Back, super hit que, inclusive, dá nome ao documentário. Isso significa que essa música não existia antes de começarem as gravações do álbum novo.

Dois outros momentos, com abordagens semelhantes, me chamaram a atenção. Como já mencionado, George Harrison buscava mais espaço, ameaçava sair da banda e se incomodava com a predileção obtida pelas músicas compostas com a assinatura Lennon/McCartney. Certo dia, antes de iniciarem os ensaios, Harrison apresentou trechos de uma nova música, ainda inacabada. Ringo e Paul colaboram e tentam avançar na ideia inicial. Contudo, a canção acabou sendo deixada de lado no decorrer dos ensaios. No entanto, para nosso deleite, ela aparece no álbum seguinte, Abbey Road, gravado no ano posterior. Bom, estou falando da lindíssima Something (veja trecho no vídeo abaixo), um dos maiores sucessos dos Beatles.

Processo similar ocorreu com Ringo e John ao apresentarem trechos inconclusos de músicas, mas que também aparecem posteriormente em Abbey Road, originando Octopus´s Garden e Come Together.

Steven Johnson, no livro De Onde Vem as Ideias?, nos narra que algumas criações precisam de um intervalo mais longo para se tornarem completas. “A maioria das grandes ideias se configura primeiro de uma forma parcial, incompleta. Elas têm a semente de algo profundo, mas falta-lhes um elemento decisivo que pode transformar o palpite em algo de fato poderoso”. Johnson nomeia esse processo de intuição lenta. Em síntese, trata-se de cultivar devidamente uma ideia para que ela floresça, colida com novas possibilidades e amadureça no tempo certo. É o que me parece que ocorreu com Something, Octopus´s Garden e Come Together, que precisaram de cerca de 1 ano para se configurarem nos clássicos que se tornaram.

Também destaco, em Get Back, o fato de ter visto os integrantes dos Beatles como sujeitos que passam as mesmas agruras que qualquer criativo. Mostram-se inseguros, desconfiam de suas capacidades musicais e pedem ajuda aos colegas como forma de potencializar uma criação. Isso é encantador. Para quem achava que o processo criativo dos Beatles era fácil, espontâneo e com garantia de sucesso a cada canção, esse documentário serve para desmistificar esse pensamento.

Os caras ralavam muito para tentar concluir uma música, mesmo sabendo do risco de ter de descartar uma ideia que não se mostrou promissora. Por sua vez, as músicas que se mostravam com potencial ainda teriam de passar por inúmeras execuções até decidirem se estaria pronta para fazer parte de um álbum.

Finalizando: se, apesar do meu texto, você ainda achar que criatividade, como a dos Beatles, é um dom e que para eles era fácil compor hits, Let it be. Assista Get Back e perceba como é longa e sinuosa a estrada criativa dos Beatles, assim como a de qualquer mortal que trabalhe com criação.

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